Hoje eu conversava com um piloto profissional do ramo de transportes alternativos, que me falava sobre seu compadre Chico Olegário, que se encontra agoniado, flagelado e devidamente abrigado no parque de exposições, juntamente com seus familiares e vizinhos. O Chico, de modo agradecido e, pasme, feliz com sua condição complicada e comovente, como bom acreano que é, capaz de tirar do aperreio e da tragédia o reconhecimento pelos esforços solidários, confidencia ao compadre sua satisfação com a ajuda humanitária.
- Cumpade, os home num tá de brincadeira, não. Pense num negoço organizado! Marrapaiz, tá melhor do que lá em casa! É todo dia de manhã, sempre na merma hora: café, leite com tódi pras criança, tapioca, pão passado com mantega – Tá pensado que é margarina, é? É não! É mantega mermo! Fruta, refresco... Uma ruma de coisa. Almoço reforçado. Um dia é bife, no outro é frango, no outro é peixe, verdura, aquele arrozim bem temperadim, aquele feijãozim no jeito. Precisa tu ver, manim!
-Depois, de tarde, tem brincadeira c’os minino. É circo, filme. Todo dia tem filme. Aí, depois vem a hora da merenda. Tudo bem ajeitadim. É refresco, bolacha, sanduiche de queijo. Rapaz, os home num brinca, não! De noite, a janta é reforçada também. É sopa boa, macarrão com carne moída, depois tem o cafezim. E tem as enfermeira, os médico, o Samu todo tempo ali, de plantão. O menino dá uma tossida, já tem uma mulher com o xarope. Eles num esqueceram de nada. Ali são organizado, ó! Tô pra ver um negoço desse!
-A situação da gente tá de lascar, mas, pra tu ver, parece que a gente tá é de férias, sabe? A gente sabe que vai miorá. Né possive, né? Depois que o rio vazar, vai miorá, sim. Assim, no começo da tarde, bem depois do almoço, da gente já ter dado uma cochilada, eu e os minino, meus colega do bairro se junta pra bater um dominozim debaixo duma mangueira enquanto as muié vão atrás de receber as roupas e os brinquedo que vão chegando nos caminhão do Exército e dur Bombeiro. Marrapaiz, é bom demais. Só é ruim porque os home, num traz uma cervejinha pra nóis moiá a palava.
E o Chico Olegário ri, ri como só os felizes conseguem. Acredito que nem todos os desabrigados sejam tão folgados como o compadre do meu amigo, mas, com certeza quem está nesta situação de completa dependência do poder público e da boa vontade dos outros, e recebe este apoio da forma tão bem descrita pelo Chico Olegário tem, de seu jeito simples, como forma de agradecimento a tudo, um sorriso inefável no rosto. Espero que o Chico tome uma atitude nobre e vá ajudar sua mulher na reconstrução de suas vidas e, com isso, merecer tomar uma gelada no fim do expediente.
O texto refere-se à enchente do Rio Acre ocorrida em 2006, no estado do Acre
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