quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A festa

Foi cerveja gelada na cuia grande
Matemo um boi, assemo carneiro
E o forró ao vivo, com sanfoneiro?
Inda vimo, a tarde futebol na Band

Vei todo mundo, faltou tu somente
“Besta, num sabe o que tá perdeno!”
Foi o que o todo mundo saiu dizeno
Logo tu, que vai a festa até doente!

Num vei na minha, mas deixa pra lá
Tu foi quem perdeu co'essa desfeita
A turma que vei, saiu toda satisfeita
Nem deu notícia, desligou o celular...

Já falou tudo? Posso me defender?
Cumpade, só estou tu, ora mais esta,
Imaginar q'eu num quis ir na tua festa
No zeroitocentos, eu ia bem perder?

Nem pra saber o que se deu comigo!
É. Isso é que é a tal da “consideração”...
Mas, destá. Num vai ser por isso não
Que nós vamo deixar ser bom amigo

De ser parceiro de dominó e sinuca,
De ser colega até debaixo d'água.
Amizade que desconhece mágua
Té porque num foi pega em arapuca

Sei que eu perdi teu grandioso pizeiro
E que o cumpade queria eu lá, junto
Mas, pra botar uma pedra no assunto,
Eu até aceito minha parte em dinheiro.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Atrapalhado

Sempre me atrapalhei em tentar me fazer entender pelas mulheres. As mulheres que me conhecem mesmo são: Dona Rosa, que me pariu, Laluce e Dijé, minhas irmãs de sangue, Simone, prima/irmã de coração e, provavelmente, uma ou duas das que mantive relacionamentos mais duradouros que uma noite de intimidades. O fato é que eu não conheço nenhuma delas e isso é a única coisa, nesta vida, de que eu tenho certeza absoluta.

Quando me afastei dessa ruma de mulher, me encontrei com outro tanto. Inevitavelmente, propositalmente, diga-se de passagem, me atrapalhei mais ainda. Minha primeira atração (sexual, obviamente) deu-se aos dez anos, quando me apaixonei por Lucy Rocha Lima, que tinha treze. Era tão linda! Obviamente não me lembro, de jeito nenhum da fisionomia de Lucy. Sei que era linda. E seus lábios foram os primeiros que beijei.

Descobri que mulher é uma delícia muito superior a mel de rapadura com farinha d'água, mais atraente que álbum de figurinha, mais cheirosa que café com tapioca, mais preciosa e desejável que bicicleta debaixo da cama, em manhã de natal. Dez anos! Eu só tinha dez anos quando senti o cheiro do perfume da Terezinha. Não sei... não dá pra descrever, mas acabei de lembrar o cheiro da Terezinha, o cheiro que atrapalhou meu romance eterno com a Lucy.

A Diana me fez desaprender a desenhar o Leão do Pici (mascote do Fortaleza). Larguei as peladas, no campinho, no terreno da dona Maria do Chicó, batizado Mar del Toco, alusão ao Estádio Mar del Plata (Copa da Argentina, lembra?), pra ficar em casa lendo O Pequeno Príncipe, O Menino do dedo verde e sonetos de Vinícius de Moraes, ouvindo Bolero de Ravel e Ópera do Malandro pra depois escrever uma carta pra minha amada, que morava a duas quadras da minha casa.

No turno da tarde, do Colégio Joaquim Albano, só estudavam meninas. Era uma ruma de mulher! Os treinos de voleibol, handebol, basquetebol, dança moderna e o escambol aconteciam depois da aula da tarde e entravam pela noite. De manhã, a carteira 18, da 6ª A perguntava: “Oi. Como é teu nome? Sou Márcia, quer me conhecer?”. De tarde, a atrapalhada carteira 18, da 6ª A respondia com rimas toscas e desenhos idem. A Márcia era de tirar o fôlego. Linda, ruía as unhas e jogava vôlei.

O treino de handebol acabou mais cedo. Aproveitei pra distribuir nas salas, cheio de moral, com o aval do diretor Sebastião Praciano, o jornalzinho do Centro Cívico e recolher material (poesias, redações, etc) para a próxima edição. A Gracinha era uma morena de olhos grandes, peitos grandes e grandes lábios que escondiam o fim do fecho-ecler do jeans. Exímia instrutora de beijo de língua, sentava na carteira 18, da 6ª A, do turno da noite. Fiquei tão atrapalhado que perdi o último ônibus.

A Lucrécia tinha o corpo perfeito. Andava como se tivesse uma tachinha sob cada calcanhar. Meio que saltitante, flutuava na ponta dos pés. Praticava Dança Moderna na Academia Regina Coelis. Seus seios jamais recuaram sob a pressão dos meus abraços. Sua língua, invariavelmente me deixava sem fôlego, seus braços me deixavam sem forças, suas coxas me adormeciam da cintura pra baixo, sua magnífica bunda atrapalhava o trânsito.

A Terezinha era surda. Com sua vozinha gemida, frágil, infantil falava pouco. De sua boquinha linda só saíam sussurros, sorrisos e palavras essenciais. O Jaílson foi um bom amigo e mestre, talentoso artista plástico, me deu preciosos livros e dicas que impulsionaram minha carreira. Namorado da Terezinha, Jaílson era perito em LIBRAS e alfabeto manual. Mas, o que ajuda, as vezes atrapalha. Jaílson acabou o namoro porque Terezinha falava demais.

Mulheres falam mesmo. A primeira vez que ouvi a palavra “buceta” foi pela boca de uma mulher. Numa briga de vizinhas, iracunda, saia levantada até os peitos, mão espalmada, batendo no tufo enorme de pelos pubianos, que se espalhavam pelas virilhas, além de sua calcinha tamanho G, dona Amália reclamava para si o exclusivo e irrepreensível direito de bater em seus filhos, pois em seu ventre foram gestados e por aquela respeitável buceta saíram.

Me atrapalhei demais, naquele tempo de ignorância acerca das mulheres. As que desejei e nunca tive, as que rejeitei, as que me rejeitaram, as amigas que me amaram e eu nem percebi, as professoras que me reprovaram, as prostitutas que me adoeceram. Joana D'Arc, Suzana, Verônica, Cristiane, Sílvia, Ângela, Teca, Marisol, Fernanda, Virgínia, Roberta, Regina, Tâmara, Norma... Norma?... Não, espera aí. Nunca houve Norma alguma! Hum! Tá vendo, me atrapalhei de novo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Deus é fiel

A fidelidade é um dos dons de Deus.
Dos muitos dons que dele herdamos
Quando ao criar-nos disse: Façamo-lo

Tal qual nossa semelhança e igual face
Assim será, semelhante a nós esse ser
Que estou satisfeito e sentindo-me feliz

Por assim desse mesmo jeito fazê-lo
Que, tais quais os nossos, os dons seus
Talvez os faça saberem que são deuses

Pois se mesmo assim, não acertarem
Quais coisas são dons ou apenas coisas
Saberão fazer a coisa certa a ser feita

Se soberbos, sucumbes às suas ideias
Seus lindos modos e atos desastrados
Os farão, em seus travesseiros saber

Que desde sempre estou, sem cansar,
Cientes que sou Deus e jamais canso,
Com meu abraço fiel para os consolar.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Os bons

Essa é para jornalistas que se transformam em notícia. Surgiu quando fui receber, juntamente com os colegas vitoriosos, o Prêmio José Chalub Leite do ano passado.


Agora somos o alvo, somos a mosca.
De tanto tentar querer mostrar,
Por prazer... porque sim... sei lá
Feito parafuso no meio da rosca,

Fendidos, apertados, frouxos, marrons
Destemperados, tortos, inconvenientes.
Jornalistas "ruela"! Uns incompetentes!
Mesmo assim, ainda premiados como bons.

Somos hoje a pauta, amanhã a notícia.
Nossos amigos enaltecem nosso talento.
Nossa pepeta é a que sobe sem vento.
A gente hoje é que é "o cara". Delícia!

Hoje somos a mosca, diante da infalível mira,
Dos olhos da sociedade que nos tem como alvo
A mosca que voou acreditando estar a salvo
Da ruma de bosta em que nascera, de onde saíra.

Mosca que muito voa encontra língua de sapo.
Isso se não se enrroscar em teia de aranha,
E, tentando voar, mais e mais se emaranha
E gruda na teia como pentelho em esparadrapo

Sejamos pois, vagalumes, pequenos pirilampos.
Com luz própria, atraentes insetos faiscantes,
De bicos pontiagudos, discretos seres picantes
Feito alfinete escondido em caixinha grampos.