Conheci o ator Altino Machado lá pela segunda metade da
década de oitenta. Ele era integrante de um grupo de teatro amador do Acre e eu
era de outro do Ceará. Foi num festival nacional de teatro, na Paraíba, o
Festival de Inverno de Campina Grande. A peça do único grupo representante do
estado do Acre foi ovacionada de pé, num emocionante aplauso redobrado e
assobiado. O nome do espetáculo: Toda Noite Tem Pichação.
Lembro muito bem da qualidade performática, direção impecável
e texto assustadoramente audacioso, pois já abordava, naquele início de
liberdade de expressão, temas que ainda hoje são polêmicos como a pichação
urbana e o homossexualismo pedófilo que embaraça o Vaticano. Ali, no topo do
nordeste, alguns mil e tantos metros acima do nível do Atlântico, num frio de
lascar, eu e o Altino bebemos alguns copos de vinho quente com canela.
Acabou o festival. Todos os paulistas, cariocas,
pernambucanos, paraenses, acreanos e a maioria dos cearenses voltaram para suas
casas. Eu fiquei mais um pedacinho, resolvi que iria morar ali. Me apaixonei
pelo lugar. Minha namorada, noiva, doida topou. Irresponsavelmente, sem
dinheiro, sem noção deixamos de voltar no ônibus do grupo e resolvemos arriscar,
aventurar. Nos hospedamos na casa de um casal de novos amigos.
Perambulando praqui, pracolá, fomos conhecer mais a terra da
poesia, uma das cidades mais intelectuais do nordeste, onde até político
discursava em verso e as pichações dos muros já mostravam os modernos grafites
de hoje. Participei da primeira noite de autógrafos da minha vida, no
lançamento de mais uma obra da autora do premiado monólogo “Guiomar – Sem rir,
sem chorar”, Dona Lourdes Ramalho, tia da Elba e do Zé.
O espirituoso Doutor Ademar Dantas, misto de médico,
jornalista, teatrólogo, historiador e guia nos proporcionou um inesquecível
passeio na serra, em sua moderna Caravan, até às casas, nas cidades onde
nasceram e viveram os ilustres pintor Pedro Américo e poeta Augusto dos Anjos.
Fomos por Alagoa Grande, Alagoa Seca, Remijo, passando pelo Buraco da Pedra e a
Alameda de Santo Antônio até chegar em seu sítio, no cume da Borborema.
Por conta da altitude, meu nariz sangrou. Fiquei apavorado.
Dr. Ademar, de pronto me socorreu. Disse para minha noiva que mantivesse minha
cara para cima e explicou que aquilo era muito bom para mim, pois se não
sangrasse, eu poderia ter um derrame e estragar o domingo do resto da turma. -
Relaxa, cearense! – disse sarcástico –
Sei que você não é o chato que acaba passeio só pra ir tomar injeção dolorosa
em pronto-socorro. É?
Aí, de volta à razão, eu e minha doida, digo, noiva
resolvemos o problema da volta pra casa e voltamos. Por muito tempo esse foi o
nosso assunto, a nossa grande história. A viagem à Campina Grande é um marco na
minha vida. Então eu larguei o grupo de teatro e fui ser publicitário. Me
converti ao Evangelho e me casei na Igreja Presbiteriana de Fortaleza. Fui com
minha esposa passar a lua de mel em Morro Branco, mas estas são outras
histórias.
Muito tempo se passou. Coisas e pessoas ficaram para trás e
outras até desapareceram da minha memória, mas aquele primeiro festival de
teatro nunca mais me saiu da cabeça. Cerca de dez anos depois eu fui morar em
Rio Branco, Acre, onde conheci o jornalista Altino Machado. Não nos lembrávamos
um do outro até que, falando de teatro e do Festival de Inverno de Campina
Grande, a aventura no Planalto da Borborema voltou a nos emocionar.
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