segunda-feira, 25 de março de 2013

A pomba da Sandra


Desde que parti de Fortaleza, Ceará, há uns trocentos e vôte anos, eu tenho morado em diversos lugares deste meu país varonil e escutado e aprendido uma pá de coisa bacana no tocante à cultura, sotaques e expressões regionais. Algumas dessas peculiaridades idiomáticas, que eu costumo chamar de “modus falandi” são ora muito divertidas, ora extremamente incompreensíveis e por vezes de sentido inverso de região para região.

Por exemplo, na maioria dos estados a palavra ou expressão “baixaria” se refere a um bate-boca, uma discussão exacerbada ou briga de fato. Já no Acre, além disto, trata-se também de uma comida típica. Consumida como desjejum, principalmente no Mercado Álvaro Rocha, em Rio Branco, o famoso mercado do Bosque, a iguaria é constituída de cuscuz, carne moída, ovos fritos e coentro e cebolinha picados. Humm! É bom demais!

Uma vez eu parti de Maringá, no Paraná até Fortaleza, Ceará. O ônibus que peguei é famoso por fazer a maior viagem por estradas do Brasil. Sai do extremo sul do Rio Grande do Sul, cruza as regiões sudeste, centro-oeste e entra no nordeste pelo norte da Bahia, passando pelo Piauí e Maranhão até chegar ao Ceará. São quatro dias de viagem, cercado por gente de, literalmente, todos os lugares do país. É uma verdadeira Babel sobre rodas.

Imagina uma criatura de Bom Jesus do Gurguéia, Piauí num longo diálogo com uma comadre de Francisco Beltrão, Paraná sendo mediadas pelo seu Zé, de Guaxupé, Minas Gerais? E se houver algum turista estrangeiro dentro deste coletivo, alguém que acha que sabe falar “brasileiro”, que tenha estudado o idioma português, em seu país de origem, com uma mestra lisboeta? Rá-rá-rá! Coitado! Ia ficar mais por fora que pensamento de preso.

E a gente mesmo não entende toda expressão dita pelo Brasil adentro não. Escuta essa. Presta atenção. Estávamos eu o grande amigo Dinho Gonçalves, mais o Grupo do Palhaço Tenorino, em Ponta Grossa, Paraná. Participávamos de um festival de teatro e como é comum nesses eventos, a gente quer se amostrar pros novos amigos. Depois de cada espetáculo estávamos lá, em rodadas de cerveja e muita descontração.

O Dinho “garra da viola” e sapeca uma ruma de canções bem humoradas, como é de seu estilo. A Sandra Buh, que canta e toca muito bem também pediu pra entoar umas modas. De pronto o Dinho entregou-lhe o instrumento e, dirigindo a artista, sugeriu que ela, pra conquistar o público, que o próprio já conhecia de outros festivais, cantasse aquela música do Clenilson Batista que fala sobre um pombinho gamado numa pomba.

A Sandra é muito engraçada. Uma comediante nata. Enchia as bochechas quando cantava “E o pombinho agarra a pomba, ai, ai, ai! E beija a pomba, ai, ai, ai!”. Com suas caras e bocas fez o publico cantar o refrão com ela. Conquistou a plateia do boteco, arrancou aplausos e pedidos de “Mais um! Mais um! Mais um!”. No entanto, muito depois do improviso, nossa amiga nos confidenciou acabrunhada, um tanto quanto decepcionada:

- Égua, meu! Pessoal aqui é muito estranho! Cantei a música dando a maior ênfase na “pomba”, a fim de arrumar um gato pra dar uns amassos e só me apareceu foi sapatão me dando cantada. Eu hein! Esta porra só tem é baitola mesmo, Dinho? Fala aí Braga!

Enquanto o safado do Dinho se acabava e chorava de tanto dar risada, eu esclareci o mal entendido, deliberada e maquiavelicamente engendrado por ele.

- Não, Sandra. É que “pomba” no Acre se refere ao pênis, né?! Eu e o Dinho nos esquecemos de te alertar que aqui, no Paraná é justamente ao contrário.
- Esqueceram o carai, seus dois filhos de umas quengas! – Explodiu iracunda. E o resto do grupo explodiu numa gargalhada uníssona.

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