terça-feira, 10 de novembro de 2009

Professor Bené escreve

O patrão dá com uma mão, o banco tira com as duas

Beneilton Damasceno *
benedamasceno@pagina20.com.br

Recebi faz umas três semanas, via celular, ligação da minha gerente de relacionamento de um banco estatal do qual sou correntista desde 1988, pouco antes do confisco da era Collor de Mello. Apreensiva com minha angustiada trajetória financeira como servidor da Ufac, graças às constantes investidas do Tribunal de “Cortes” da União (TCU), a generosa bancária me propôs um “empurrãozinho” providencial na modalidade pegar-ou-largar.

Na simulação, ainda pelo telefone, chutei alguma coisa perto de R$ 30 mil. Não demorou dois segundos e o cálculo estava prontinho (depois que inventaram esse tal de Excel, ninguém mais precisa consumir neurônios à toa para somar oito mais sete): o banco, cujo nome não vou revelar – apenas sei que é, com certeza, do Brasil -, me repassaria, ato contínuo, o valor proposto e subtrairia em folha, durante cinco anos, R$ 854 todo mês.

Nem precisei do Excel – a calculadora do próprio celular me auxiliou bastante naquele momento. O sonho de trocar o Ford Ka 2002 azul-celeste por um veículo mais robusto evaporou-se em questão de minutos. As sessenta prestações somariam R$ 51.240, numa humilhante taxa de juros de 72 por cento durante esse período. Nem pensei em pechinchar.

Tanta facilidade assim me fez recordar o drama dos barnabés da minha época para conseguir um mísero empréstimo algumas décadas atrás. Agora, com um caixa eletrônico ao lado de cada botequim e o CDC acessível a quem interessar possa, basta ter na mão pelo menos um dedo saudável e o desejo inamovível de se endividar “ad eternum”, e o milagre acontece! Falta pouco para as cédulas descerem por um buraco qualquer feito no PC do cidadão ou mesmo pela impressora.

Voltando ao assunto… Em 1977, quando trabalhava no Serda (antiga imprensa oficial), um colega igualmente mal-remunerado conhecido por “Galo Branco” peregrinou durante um semestre nas agências do então Banacre, Caixa Econômica e Banco do Brasil. Implorava por 14 mil cruzeiros. “Caso de vida ou morte”, costumava repetir, resignado, gerando comoção no restante da confraria. Apesar da demora, tudo caminhava na normalidade, mas a liberação do principal dependia, infelizmente, de um personagem tão difícil quanto alcançar a porta do céu: o danado do avalista.

Mas “Galo Branco”, que era brasileiro e não desistia nunca, foi abençoado com a proposta do comparsa “Carlinhos Pipira” de assinar o documento, exigindo como cachê uma grade de cerveja San Juan, importada da cidade peruana de Pucallpa e que fazia enorme sucesso na cidade. Na sexta-feira seguinte, o gerente ligou confirmando que o cheque já podia ser “distentado”.

Fim do expediente. O novo-rico acercou-se de outros dois parceiros e pôs em curso o “caso de vida ou morte” num inferninho todo cheio de luzes que mais parecia o disco voador da Lenilda Cavalcante. No bolso, os 14 mil cruzeiros (pouco mais de R$ 1.500 na moeda atualizada) nem esperaram as quatro da manhã para se converter em taças de uísque, honorários às mulheres da vida pelo item “prestação de serviços” e turnê por vários bairros de Rio Branco a bordo de táxi na temida bandeira 2. Os outros amigos do peito convidados para a boa ação foram o “Pedro Caveira” e o lendário “Pirra” (nascido Carlos Roberto Vieira da Mota), linotipista da empresa e cachaceiro registrado em cartório.

Aqui ou acolá, encontro “Galo Branco” nas imediações do prédio do Detran, na Estação Experimental. Conversa vai, conversa vem, todas as vezes deixo de fazer duas perguntinhas bem básicas: a primeira é confirmar informações de terceiros de que ele atua no ramo de empréstimo consignado por essas empresas que prometem os menores juros da praça sem consulta ao SPC ou à Serasa. A segunda, e mais óbvia, é saber o nome dele. Jamais tomei essa iniciativa nos dois anos em que fomos companheiros de profissão. Pensando bem, melhor assim. Afinal, ninguém tem como processar um desafeto por danos morais só porque mencionou seu apelido.

* Jornalista seringueiro

Um comentário:

Cristina disse...

Gostei mesmo foi do parequema e do cacófato que o Bené (ou Leopoldo Assumpção), só de raiva, colocou no título... Genial, professor!