De
repente, a turba ignara invade o bar. Eles vieram, assim, de supetão.
Por mais que soubéssemos que aquilo haveria de acontecer, aquilo estava
acontecendo naquela hora que a gente não esperava. E vieram sem que
eu achasse mesmo que viriam. Era uma gente sedenta. Eles queriam
mostrar que estavam lá, que eram grandes, que eram extremamente fortes.
Era o povo. Um povo lindo, pintado para a festa, para a guerra.
Estarrecido, contemplei. Admiti que eu não poderia falar coisa alguma.
Eu só podia mesmo era observar aquela invasão popular. Nunca tinha
ouvido a gargalhada do meu amigo Charles Bahia, como ouvi naquele
momento grandioso. Eles compraram e beberam dele muitas cervejas, doses
de cachaça e até refrescos. Não vi ninguém bebendo água, mas acredito
que algum deles bebeu água e até levou ou surrupiou um pacotinho de
batata chip.
Reconheci algumas pessoas que nem mesmo acreditam
naquela proposta e outros que a defendem com unhas e chapas e carros e
cargos. Há nestes brasileiros, amor, vontade, desejo, esperança. Vi e me
emocionei com sua garra e alegria de expressar sua liberdade de
expressão. Um monte de gente. Tinha homens e mulheres, algumas delas,
com crianças e crianças sozinhas também.
Aquilo foi assustador
no primeiro momento. Levantei-me da minha cadeira, receoso de que
esbarrassem em minha mesa e derrubassem meu copo e a garrafa de cerveja
que eu bebia tranquilamente, antes de sua invasão. Passou até a minha
vontade de “defenestrar um micto”. Gritos, urros e apitos irritantes,
próprios de quem quer impor presença, em todos os sentidos me obrigaram a
parar a conversa com o cliente que, via internet, tratava de negócios.
Gente com a mais pura vontade de vencer. Custe o que custar, doa a quem
doer. Os pagantes tinham relógios e grossas correntes de ouro. Bonés
com marcas famosas. Botas, bocas e dentes. Palavras violentas de
“ordem”. Ordem, na verdade, não houve em momento algum. Falavam em
números de votos. Falavam não, gritavam! Berravam e irritavam quem não
estava nem aí para a sua ideologia.
E eles se foram. Porém,
depois de alguns minutos voltaram. E vieram como vitoriosos, berrando
loucamente, ameaçavam tocar fogo na praça, para mostrar seu domínio
abstrato. Dominaram o outrora tranquilo Bar Charles Bahia. Assim, como
se eu fosse posse deles, me reprimi. Me coçava, sofria. Tentava escrever
este texto enquanto tentava anular minha audição ao som de buzinas e
jingles tão ruins, feito bexigas espocando no meu ouvido.
Essa
gente, o povo se deixa embebedar, gargalha sem ter dentes, chora e briga
por promessas e crenças num porvir bem melhor. Eles ficam roucos e se
acotovelam e se desentendem com quem, outrora amigo, irmão, camarada
ousa discordar das fanfarras de quem, naquele átimo lhes dá de beber da
água que só passarinho bobo bebe. Ali, mais uma vez, presenciei de
corpo, alma e espanto o funcionar da maquiavélica massa de manobra.
Bêbados e toscos dissiparam-se. Foram-se definitivamente deixando um
rastro de guerra. Marcas de chinelos e gotas de saliva no assoalho.
Baganas de cigarros e um zumbido na minha cabeça. Etereamente seu
intuito foi atingido, seu desejo foi realizado. Tiveram seu momento de
falsa alegria. Foram dormir na utopia de que a partir de agora suas
vidas irão melhorar. Que Deus os mantenha assim, lá no sonho de onde não
deveriam ter saído.
2 comentários:
Maravilhoso! A percepção do ambiente presentificada. Uma descrição perfeita e poética. Transmite a sensação de impotência do narrador que, acuado, limita-se a observar e elaborar o seu texto, no instante em que a invasão da "turba ignara" acontece. E assim é o povo. O povo unido tem poder e mete medo, o povo chafurda na política, comemora feito pinto na merda. Entretanto, como bem dito na crônica, é só uma "falsa alegria". No final, todos vão dormir, sonhar e acordar. Aí não dirão palavras de ordem. Eles se limitarão a ouvi-las, do tipo: "voltem ao trabalho!" Por isso é melhor mesmo o mundo dos sonhos (ou então o encantado faz de conta das propagandas políticas).
Valeu, velho Braga!
Porra, Choco, você analisou e descreveu muito bem o momento em que escrevi este escrito. "Valeu!" digo eu, amigo velho que muito me honra com seu comentário.
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